Transcrição de depoimento em áudio de rosa, ativista do movimento passe livre. áudio produzido para a exposição "da rua: que pintura é essa?" (graziela kunsch e vitor cesar, funarte SP 2009). entrevistador: camarada d.
Então, a gente já tinha outros stencils, a gente começou a usar num aumento que teve pra 2,30 no final de 2006 que era "se a tarifa aumentar a cidade vai parar". E aí a gente viu que tinha bastante impacto stencil. Em aumento, em corte de linhas, a gente começou a usar sempre stencil. Essa última onda de stencil que a gente lançou pela cidade era o "pule a catraca" com o bonequinho do Planka nu pulando a catraca, que é uma catraca bem parecida com a do nosso metrô. E a gente colocava bem na frente do metrô, ou no meio da faixa de pedestres, ou então na cara, em algum muro na frente e tal. A gente fez a linha azul quase inteira, a linha verde quase inteira, a linha vermelha do lado leste também quase inteira.
Por que "pule a catraca"?
Então, é uma mensagem pra questionar... tinha acabado de subir o metrô de 2,30 pra 2,55 e a gente queria questionar a legitimidade da tarifa em uma parada pública... a gente lançou junto um panfleto que tinha o mesmo símbolo do stencil que rebatia a campanha do metrô. A propaganda do metrô era "entenda o aumento da tarifa", e o nosso panfleto "NÃO entenda o aumento".
A gente tu diz o MPL?
É, o Movimento Passe Livre.
E vocês são um grupo dentro do MPL que faz o stencil ou é uma coisa que qualquer um vai lá e faz junto?
É uma parada solta do MPL. São pessoas do MPL que organizam mas é uma forma muito boa de aproximar gente. Muita gente já ligou pra gente, já mandou email, falando, "olha, vi um stencil de vocês hoje quando estava indo pra escola e quero ajudar vocês a fazer, porque tem outra estação, tem outra entrada que vocês não fizeram". E aí a gente vai lá na escola e chama a molecada, a molecada mesmo faz, tal, copia máscara. Já aconteceu isso e as pessoas se empolgam e querem se aproximar mais, principalmente o pessoal secundarista. Então é uma coisa que começa com o movimento mas que as pessoas saem fazendo por aí.
E por que vocês escolheram fazer stencil?
A pixação que a esquerda faz, eles fazem de uma maneira, a gente até costuma brincar, eles não vêem a estética da coisa. Eles têm aquele fetiche do pixe político, todo desgrenhado. E as pessoas olham aquilo e perde toda legitimidade. Querendo ou não as pessoas têm um puta preconceito com pixação e tudo mais - tem nem que entrar na discussão da pixação - mas aí você faz a pixação e só dialoga com a galera que aceita pixação. As pessoas respeitam mais o stencil e também você consegue dar um ar institucional. Por ele ser todo retinho, bonitinho, tal, você consegue passar a mensagem... por exemplo, a bicicletada, eles fazem a ciclofaixa e você tem certeza que a CET que fez. Se você coloca um bonequinho e é bem aqueles bonequinhos que você usa em porta de banheiro, em propaganda tudo tal, e coloca pulando a catraca do metrô, se você prestar atenção até confunde: "mas é o metrô? Ah, não, alguém deve ter feito e tirou um sarro". Parece muito uma propaganda institucional, além de ser rápido, economiza tinta. Qualquer um pode fazer. Você pega uma chapa, um desenho, corta e sai por aí. Não precisa saber desenhar nem nada.
Vocês fazem a chapa com o quê?
Quando é muito grande - a gente tem uma catraca em tamanho real - a gente usa papel cartão. Mas geralmente a gente vai em hospital e pega chapa de raio x não usada.
E como chegou a essa loucura da polícia entrar na sua casa?
Não sei como eles chegaram lá, tal. Eu tava de manhã em casa, de saída, aí tocou a campainha. Eram dois caras à paisana, não mostrando distintivo nem nada, falando, "olha, a gente é investigador da polícia". Aí eu deixei a porta aberta e fui pegar uma bolsa que eu tinha esquecido, que daí eu já ia descer e sair com eles. Porque eu nem pensei que fosse comigo, o que eu pensei: meu prédio tem barraco todo dia, briga de marido e mulher, vive colando a polícia lá. E eu nem associei a nada. Aí eles foram entrando, tal, como quem não quer nada, não foram truculentos nem nada, eles simplesmente foram entrando. Aí eles falaram: "olha, a gente recebeu uma denúncia, a gente veio aqui pra levar você pra delegacia. Você aparece num vídeo", que ele não falou qual era, "você aparece num vídeo, você e uma amiga sua, e a gente quer que você identifique a sua amiga". Eu falei: "olha, vocês têm mandado, alguma coisa?", eles falaram "não". Teve um dos dois caras que viu, eu tenho uma caixa que eu guardo todos os meus sprays, aí ele pegou e falou: "vou levar isso comigo porque é flagrante". Eu falei: "flagrante do quê? Eu comprei isso numa loja com nota fiscal, se você quiser eu te levo na loja. Você fala como se fosse droga". Aí eu peguei o spray da mão dele e falei: "olha, é o seguinte: vocês não tem mandado, então vocês teoricamente não podem entrar na minha casa, vocês não vão me levar pra delegacia porque não é assim que funciona". Aí eles saíram tranquilamente, devolveram o spray, tal, não usaram força em nenhum momento. Só foram bem cínicos, assim, falando: "é, você vai ter que ir para delegacia". Não argumentaram. Me fizeram assinar um papelzinho lá que eu assinei porque era só um papel constando que eles tinham me avisado que eu tinha de estar na delegacia a tal hora. A essa altura do campeonato eles já tavam no corredor, eu tava fechando a porta, falei: "tá bom, chega, acabou, já avisou". Aí eles foram embora e eu liguei direto para um cara do MPL que ligou para um advogado e tudo mais e, no final das contas, o papelzinho era para prestar esclarecimento porque eles não tinham como provar que era eu.
Então esse vídeo aí era...
... então, o vídeo não dá para identificar alguém. Eles queriam inclusive que eu levantasse a camiseta para ver as minhas tatuagens. Pra ver: "olha aquela tatuagem nas costas, é ela mesma". Sabe, uma parada assim.
Você levantou?
Não, de jeito nenhum. Entram na minha casa, querem me levar pra delegacia, pegam minhas coisas e querem que eu levante a roupa?
Eles não deram nenhum dica de como chegaram na tua casa? Porque uma coisa é ver um vídeo, outra é descobrir onde a pessoa mora.
Não faço a menor idéia.
Se tivesse um vídeo, digo.
É, mas mesmo que tivesse um vídeo, duvido que o vídeo pegue todo trajeto, eu não faço stencil e vou direto pra minha casa. O pessoal tava pensando que algum funcionário deve ter me seguido.
E o que tu acha dessa coisa de stencil render um tipo de problema como esse?
Nossa, achei um absurdo, porque eu sempre fiz à luz do dia. No começo a gente fazia à noite, mas é muito complicado porque se você está com um spray, um blusão andando na rua depois da meia noite, você é um bandido independente de qualquer coisa. Não interessa o que você está fazendo. É foda, a polícia cai muito pesado. Então a gente pensou: "a gente não tá fazendo nada de errado". Porque como a gente faz o stencil no asfalto, é chão, na Copa do Mundo as pessoas pintam o chão à luz do dia. Então por que a gente não pode pintar o chão? Tem sempre a linha branca do Metrô, que é um limite, tal, que a gente respeita, a gente não pixa dentro dessa linha, porque a gente sabe que eles vão pintar na hora e a gente sabe que pode dar problema. A gente também fez alguns grafites debaixo do minhocão, debaixo do metrô em Santana e fez à luz do dia, porque é uma área tradicional de grafite, então você pode ir lá grafitar que não tem problema. Teoricamente.
Fonte:CMI
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